Verdade seja dita, dentre as inúmeras coisas escassas deste mundo, as verdades absolutas com certeza têm um lugar especial, por mais que tentemos nos enganar quanto a isso.
Não à toa, a “economia” tem tanta inveja das ciências naturais e se esforça tanto para fazer a realidade caber em uma tese “cientifica” ou em uma planilha de Excel – o que, convenhamos, é uma tremenda perda de tempo.
Para mim, isso soa paradoxal, pois a escassez é o fundamento de toda a economia. Mas deixemos a “ciência jovem” em paz, afinal, ela nasceu e continua sendo uma ciência natural, por mais que muitos dos seus proeminentes representantes reneguem esse fato; fazer o quê, já dizia o poeta “pão ou pães, é questão de opiniães”.
Voltemos às verdades absolutas. Além de escassas, elas costumam apresentar uma característica marcante: são irrefutáveis e, geralmente, fácil de serem comprovadas – tente questionar a lei da gravidade e levitar, por exemplo.
Logo, não é preciso muita argumentação para validar uma verdade absoluta; os fatos costumam falar por si só.
Sendo assim, quando nos deparamos com alguém apresentando inúmeros argumentos ou gastando um monte de saliva e energia para defender uma suposta verdade absoluta, é muito provável que estejamos diante de um tolo convicto ou de um espertalhão cínico – infelizmente, o mundo está repleto de ambas as espécies.
O problema é que acreditar cegamente nessas ideias costuma ser perigoso em todas as esferas da vida, sobretudo quando a intenção por trás da suposta verdade incontestável é manipular o comportamento dos outros.
Pense em todas as querelas religiosas, políticas e sociais baseadas em pontos de vista inflexíveis disseminados através sofismas repetidos incessantemente. É aquela velha história, “uma mentira repetida muitas vezes, torna-se uma verdade”.
Por motivos óbvios, é impossível haver verdades absolutas em questões subjetivas. Eu posso até achar que Cristiano Ronaldo é melhor do que Messi ou que determinado político é melhor do que outro, mas isso é uma mera opinião pessoal, baseada na minha experiência, nos meus valores, no meu modo de pensar e, principalmente, na forma como eu recebi e processei a informação.
Entretanto, o que não falta por aí são indivíduos defendendo verdades absolutas em campos subjetivos e, o que é pior, indivíduos que compram essas ideias e passam a replicá-las, transformando-as em dogmas, o que é – desnecessário mencionar – muito perigoso.
Sem querer fugir da minha seara, tampouco polemizar o raciocínio, mas quantas pseudoverdades esdrúxulas são defendidas com paixão e eloquência diariamente por políticos, líderes religiosos extremos e manipuladores? Quantos tolos bem intencionados se deixam levar por elas todos os dias, permitindo-se serem manipulados e tornando-se extremistas e avessos ao diálogo?
Se você nunca foi fisgado por uma dessas pseudoverdades, você realmente tem muita sorte; pode se considerar abençoado. Por mais racional que seja, já parou para pensar quantas vezes já defendeu um ponto de vista de forma apaixonada sem se permitir ser questionado em nenhum aspecto?
Seja um ponto de vista político, religioso, técnico ou social, quantas vezes fomos fisgados pela mosca dourada da certeza absoluta e da confiança cega acerca das “nossas ideias”?
Olhando em retrospectiva, consigo enxergar muitos pontos de vista que defendi de maneira apaixonada e intransigente em diversas ocasiões e que hoje não fazem o menor sentido para mim.
Mas o que nos leva a aceitar e defender essas “verdades” intransigentes e como podemos evitar esse erro?
Sem dúvida, gostamos de estar certos. É muito tentador acreditar que o nosso ponto de vista é superior e irrefutável, ao mesmo tempo em que é bastante difícil reconhecer que estamos errados ou que uma ideia diferente da nossa é superior; mudar de opinião então nem se fala, pois precisamos reconhecer o nosso erro diante do nosso maior juiz: nosso próprio ego.
Então, o que geralmente fazemos quando encasquetamos com um determinado ponto de vista? Procuramos indivíduos que pensem da mesma forma que nós, afinal, como são inteligentes aqueles que concordam conosco, não é mesmo?
Isso é um grande erro, pois ao fazermos isso estamos barrando a “entrada” de todas as ideias diferentes e perdendo a valiosa oportunidade de aprimorar nosso julgamento e nossas ideias, ou seja, estamos fechando a porta para o aprendizado e abraçando a ignorância, que, aliada ao nosso orgulho, nos torna intolerantes e suscetíveis à manipulação.
Tal como um câncer que se espalha rapidamente, uma vez que decidimos adotar essa postura em alguma questão, rapidamente tendemos a nos tornar reacionários para quaisquer ideias que contradigam ou discordem minimamente de todas as nossas opiniões, que a partir de então são promovidas a verdades absolutas.
A única forma de combater esse mal e fugir dessa armadilha é se expor a ideias diferentes das nossas. Ouvir com atenção os pontos de vista favoráveis e contraditórios, e a partir da interpretação honesta dos argumentos, aprimorar o nosso ideal inicial, alterando-o ou mesmo abandonando-o.
Se a curiosidade é mãe do conhecimento, a discordância é a professora dele. É assim que o mundo evolui, através da perseverante arte da dialética, que guia o conhecimento através do seu eterno looping: tese, antítese, síntese… tese, antítese, síntese….
A má notícia é que nunca foi tão difícil praticar o saudável hábito de “ouvir” o contraditório. Nunca estivemos tão conectados quanto hoje, mas ao mesmo tempo, nunca estivemos tão desconectados e “isolados”.
A internet, onipresente nas nossas vidas, é ao mesmo tempo uma dádiva e uma maldição. Ela torna o conhecimento acessível a qualquer momento e pode nos conectar a qualquer pessoa no mundo instantaneamente. Mas, ao mesmo tempo, tem exterminado a nossa fonte primária de conhecimento e nos isolado cada vez mais.
Isso acontece porque a dinâmica dos veículos de mídia da internet reforça os nossos pontos de vista e assuntos de interesse, além de nos afastar de tudo aquilo de vai de encontro ao que acreditamos. Assim, extinguimos a discordância e o contraditório e nos tornamos ignorantes, intolerantes e reacionários, o que, por sua vez, nos isola dos indivíduos que pensam diferente de nós, minando a capacidade de diálogo e empatia da sociedade.
No mundo dos investimentos não é diferente. A mesma armadilha nos espreita.
Tendemos a adotar linhas de pensamento rígidas e refutar todo o resto. Se sou um investidor de “valor”, não posso investir em empresas de “crescimento”; se invisto em empresas da “nova economia”, não posso investir em empresas da “velha economia”; se passei a vida inteira investindo em ações não posso nem pensar em criptomoedas; e vice-versa.
Nada pode ser mais deletério para o seu sucesso como investidor, pois se tem alguma verdade absoluta em que acredito, é que com certeza cometeremos erros. Então é fundamental aprender com eles e mudar a direção sempre que necessário.
Se você fez um investimento errado, não faz sentido mantê-lo apenas para não assumir que cometeu um engano; além de ser uma burrice, pode custar muito caro para o seu bolso. Se errou, reconheça seu prejuízo, entenda onde errou e corrija a sua filosofia. É duro, é chato, mas é o que vai fazê-lo evoluir e ter sucesso.
Lembre que “investimento é a ciência, ou melhor, a arte dos praticantes”.
A ideias mudam, o mundo muda, as empresas mudam, os interesses mudam…, então por que você não pode mudar?
Diferente das outras “coisas” da vida, o dinheiro não dá a mínima se você está certo ou errado, tudo o que importa é o quanto você ganha quando está certo e o quanto você perde quando está errado.
Então, tão importante quanto ter paciência para deixar o dinheiro crescer quando acerta em um investimento, é ter agilidade para cortar o prejuízo tão logo reconheça o seu erro. Isso só será possível se você se expor ao contraditório e tiver humildade intelectual para reconhecer os seus erros e mudar de opinião.
Além disso, há outro aspecto valioso a considerar. O retorno de um investimento está relacionado ao nível de risco que você está disposto a correr e, em certa medida, correr riscos nada mais é do que se expor a possibilidade de estar errado. Desse modo, cometer erros não é apenas aceitável, como também é fundamental para ser um investidor de sucesso.
Isso não quer dizer que você deva cometer erros de forma irresponsável. Pelo contrário, você deve montar a sua carteira e formar suas posições de modo a garantir que nenhum erro isolado seja capaz de lhe levar a falência, ao mesmo tempo em que apenas poucos acertos sejam capazes de mais que compensar todos os seus erros e torná-lo bem sucedido.
Isso é o que chamamos de assimetria positiva. No fundo, nada mais é que a boa e velha diversificação, ou gestão de risco.
A boa notícia é que isso é muito simples de conseguir, pois boa parte dos investimentos oferece responsabilidade limitada, isto é, o máximo que você pode perder é 100% do que aplicou em determinado ativo, ao passo que não há limites para ganhos.
Pense numa carteira de ações por exemplo. Se você comprar quinze ações diferentes, é muito provável que um terço delas gerem prejuízo, um terço delas fique no zero a zero e um terço apresente lucros ao longo do tempo. Contudo, se você encontrar apenas uma ação capaz de se multiplicar por milhares de vezes (tipo uma Google, uma Amazon ou uma Magazine Luiza), isso será mais do que suficiente para torna-lo bem sucedido.
Não se engane, assim como na maior parte das coisas da vida, não há verdades absolutas no mundo dos investimentos. Se você deseja ser um investidor mais inteligente, mas esperto e mais bem sucedido, deve cultivar a capacidade de se expor ao contraditório, reconhecer os seus erros, mudar de opinião e se adaptar ao novo.
Isso vale para sua carteira de investimentos, mas também para toda a sua vida.
Texto: Danilo Cesar – Analista de Investimentos da Néos